Existe vida eterna?
* Este conto participou do Concurso Cultural Inverso do Avesso
* Este conto participou do Concurso Cultural Inverso do Avesso
Era um domingo de sol.
Artur estava deitado na cama; olhos no teto, computador conectado ao facebook.
Aquela manhã era uma manhã calma; porém monótona. Artur resolveu se levantar e
ir até à cozinha tomar um gole de café. Quando passou pela sala, seu avô
assistia televisão.
- Vendo tevê vô? –
perguntou ele com um sorriso.
-
Estou aqui meu filho, tentando matar o tempo – redarguia o senhor de idade.
-
E o pai e a mãe?
-
Foram ao clube – elucidou o ancião – eles me chamaram, mas fiquei com preguiça.
Eles
então conversaram mais um pouco, onde Artur foi até a cozinha pegar seu café e
o idoso voltou a ver televisão.
Quando
voltou ao quarto, Artur ficou pensando no seu avô. Artur pensava que deveria
ser angustiante esperar a morte. Embora ele e o avô nunca tivessem conversado
sobre isso, o biólogo por vezes percebia quando o avô estava pensando nisso.
Nessas ocasiões, o idoso ficava sentado na sala, com a televisão desligada, com
o cenho carregado.
Ele
navegou um pouco pelo facebook, onde depois de algum tempo, foi deitar-se na
cama novamente. A questão da vida eterna então assomou-lhe-se à mente. Porque
morremos? – perguntou-se interiormente o jovem.
“Mas
essa é uma discussão científica?” – questionou-se a si mesmo – “Mas será que só
a ciência tem explicação para as coisas?” Naquele momento ele dizia a si mesmo
que durante toda a história da humanidade, muitos homens lamentaram ter de
morrer. Daí a resposta das religiões – principalmente a cristã – de que existia
uma vida após a morte. Primeiramente, pensava o biólogo, para se acreditar em
eternidade, tinha-se que acreditar em Deus. Imagens do conflito em Gaza fizeram-lhe
recordar das crianças que foram assassinadas. Se não existisse outra vida,
aqueles seres humanos foram desprestigiados por Deus? Porque eles não tiveram a
oportunidade de crescer, desfrutar a juventude, fazer planos, casar, ter filhos?
Então Artur pensava que se não existisse outra vida, Deus estaria sendo injusto
com alguns, e isso não condizia com a ideia de um Deus supremo e benevolente.
Então, para se acreditar em Deus, tinha-se automaticamente que se acreditar em
vida eterna.
“Mas
o que significa a eternidade?” – pensava interiormente – “será viver
eternamente depois da morte?” Naquele momento ele pensava na questão do tempo.
Se viver 70, 80 anos, já lhe parecia muito tempo, ele imaginava como seria viver por mil, 10 mil, 100 mil anos. Como seria nunca morrer, viver eternamente?
O
jovem refletia que a morte era uma coisa horrorosa para a maioria das pessoas,
principalmente as que eram felizes e bem-sucedidas. Já para os infelizes, os
fracassados, a morte como fim da existência – pensava ele – talvez não fosse
uma coisa tão ruim, já que significaria o fim dos sofrimentos. Mas será que se
a morte fosse o fim, isso não seria um estímulo para os maus, os desonestos, os
malfeitores? Além disso, que significado teria o sofrimento? Se o destino de todos os indivíduos era o nada, porque nos importávamos tanto com as situações ruins da vida? Novamente ocorreu-lhe a ideia de Deus e o mesmo pensou que então
Deus não seria um ser onipotente e justo.
As
religiões monoteístas – o cristianismo, o islamismo e o judaísmo – prometiam uma
vida eterna, e as religiões reencarnacionistas diziam que não só o homem era
imortal, mas que ele também reencarnava, ou seja, de tempos em tempos os homens
voltavam à Terra para viver intervalos de tempo imersos na carne. Segundo esta ideia,
uma vez no plano espiritual, a alma se sentindo imperfeita, seria novamente
recambiada ao corpo de carne para depurar suas imperfeições e poder retornar
melhorada ao plano espiritual.
Isso
significava – pensava Arthur enquanto estava deitado na cama olhando para a
parede – que a cada reencarnação você era “zerado”, isto é, que a cada ciclo
reencarnativo você tinha sua memória apagada, para que pudesse recomeçar nas
situações e relacionamentos em que se tinha falido. Isso parecia a Arthur algo
extremamente aflitante. Pensava ele que recomeçar situações aonde ele havia
fracassado, talvez nem por ele – e nesse momento ele se lembrava de algumas
pessoas do passado – mas por culpa dos outros, era-lhe uma coisa que o fazia
sentir pesar.
Entediado
de ficar deitado, Arthur resolveu sair para passear por um parque que havia
perto da sua casa. Vestiu a camisa, calçou o tênis e se dirigiu até a porta.
Quando passou pela sala, seu avô dormia com a televisão ligada. Ele contemplou
o ancião por alguns momentos, onde desligou a televisão. Girou a chave na
fechadura, passou pelo portão e ganhou a via pública.
Andou
por algumas ruas, até que avistou o parque. Nesse ínterim, deparou-se com uma
amiga de faculdade que fazia seu cooper matinal.
-
Oi Clara! – exclamou o rapaz.
-
Oi Arthur – respondeu a moça radiante – veio correr também?
-
Que nada – objetou Arthur alegre – vim pensar um pouco na vida.
-
E o que você está pensando tanto nesta manhã de sol? – perguntou a moça
curiosa.
-
Você vai rir de mim – disse Arthur sem graça.
-
Prometo que não vou – protestou a moça risonha.
-
Hoje eu não estava a fim de correr não – dizia-lhe Arthur – o que você acha da
gente ir andando e conversando?
-
Combinado! – concordou a moça. Então os dois começaram a andar.
-
Sabe Clara – principiou Arthur – hoje de manhã eu estava observando meu avô, ele
já tem 80 anos - elucidava-lhe o jovem – e comecei a pensar na questão da morte
e se existe vida eterna. O que você pensa sobre o assunto?
-
Como bióloga Arthur – dizia ela – eu já percebi que a vida é um ciclo de
nascimento, envelhecimento e morte. Porque as pessoas acham a morte uma coisa
tão terrível, se ela é uma coisa natural em todos os seres vivos?
-
É que por mais que a vida seja dura – observava-lhe o rapaz – viver é uma coisa
prazerosa; poder fazer planos, lutar pelos seus sonhos, satisfazer-se numa
relação afetiva, ou seja, existir é bom.
-
Eu concordo com você – objetava-lhe a bióloga – mas se até as estrelas
morrem...
-
Veja bem Clara – procurava Arthur concatenar as ideias – se não existe vida
eterna, Deus também não existe.
-
E quem te garante que Deus existe? – perguntava-lhe a jovem com estranheza no
semblante.
-
Mas Clara – prosseguia Arthur – nós biólogos estudamos a vida; como explicar que
na natureza existam tantos processos biológicos; como explicar organismos tão
complexos quanto os nossos?
-
Já ouviu falar de acaso? – disse ela dando uma risada.
-
Mas então o acaso é inteligente? – perguntou-lhe o jovem.
-
É nisto você tem razão – concordou Clara – mas isto por si só não prova a
existência de Deus, nem de vida eterna.
-
Clara – disse Arthur mudando de assunto – você tem planos que não
conseguiu realizar?
-
Claro – respondeu ela – todos nós temos projetos fracassados.
-
E Deus seria justo se não permitisse a você realizar todos os
seus sonhos?
-
Ora Arthur – dizia a moça distraída – todos nós temos vontades, planos,
projetos, que não conseguimos realizar, eu não sei o que Deus tem a ver com
isso.
-
E seus parentes e amigos que faleceram, você não tem vontade de reencontrá-los?
-
Claro que tenho essa vontade – elucidava-lhe a jovem – mas uma coisa é você
passar um mês com uma pessoa; outra é você ter que viver com ela por toda a
eternidade, já que para sentir saudade de uma pessoa, você precisa estar
privado da companhia dela.
“Agora
eu quero te perguntar uma coisa: as religiões dizem que existe céu e inferno,
mas como eu poderia ser feliz eternamente, sabendo que algum dos meus entes
queridos, ou amigos, estariam no inferno por toda a eternidade?”
-
Mas quem te disse que inferno existe? E mesmo que exista, quem te garante que
ele é eterno? Deus em sua infinita bondade e misericórdia não quereria que um dos
seus filhos passasse o resto da eternidade sofrendo; se essa ideia já assusta à
nós pobres mortais, quem dirá à Deus?
-
As religiões dizem isto – argumentava a jovem parando para amarrar o cadarço.
-
Tá, mas quem disse que isso não pode ser uma coisa alegórica, uma figura de
linguagem?
-
Tá bom, concordo com você, a ideia de inferno não condiria com a idéia de um
Deus onipotente e misericordioso.
“Mas
já pensou viver eternamente? Nunca morrer? O que nós teremos tanto para fazer
pela eternidade afora?” – inquiriu-lhe a jovem.
-
Você já deve ter ouvido falar nas religiões reencarnacionistas? A eternidade
seria interrompida pelas reencarnações.
-
Isso me parece mais chato ainda – disse a jovem olhando dentro dos seus
olhos – ter que recomeçar tudo de novo: aprender a falar, a andar, ir para a
escola, casar, ter filhos...
-
Mas como aprender a não ser recomeçando? – Questionou-lhe Arthur.
-
Arthur – disse a moça olhando para o relógio – a conversa está boa, mas tenho
que fazer o meu cooper, antes que o sol fique muito alto. Você vem comigo?
-
Não Clara – respondeu-lhe o biólogo – hoje não estou a fim de correr não. Arthur
então lhe deu um beijo no rosto e se pôs de volta para casa.
Pelo
caminho ele ia pensando nas considerações de Clara. Porém, apesar dos
argumentos da colega de faculdade, sentia em seu íntimo, na sua subjetividade, que
existia vida eterna, que depois da morte sua individualidade continuaria a
existir.
Quando
girou a maçaneta da porta, deparou-se com seu avô na sala. Quando o ancião lhe
viu, rapidamente passou a mão por uma lágrima que lhe escorria pelo rosto.
Arthur percebeu que ele pensava na morte. O neto então se sentou ao seu lado e
resolveu conversar com ele sobre aquelas coisas que ele pensava que o
atormentavam. Arthur usaria com ele todos aqueles argumentos que estava
pensando desde que estava deitado na cama.
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