"Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você". Sartre

sábado, 13 de setembro de 2014

Existe vida eterna?



Existe vida eterna?

* Este conto participou do Concurso Cultural Inverso do Avesso 


Era um domingo de sol. Artur estava deitado na cama; olhos no teto, computador conectado ao facebook. Aquela manhã era uma manhã calma; porém monótona. Artur resolveu se levantar e ir até à cozinha tomar um gole de café. Quando passou pela sala, seu avô assistia televisão.
- Vendo tevê vô? – perguntou ele com um sorriso.
     - Estou aqui meu filho, tentando matar o tempo – redarguia o senhor de idade.
     - E o pai e a mãe?
     - Foram ao clube – elucidou o ancião – eles me chamaram, mas fiquei com preguiça.
      Eles então conversaram mais um pouco, onde Artur foi até a cozinha pegar seu café e o idoso voltou a ver televisão.
     Quando voltou ao quarto, Artur ficou pensando no seu avô. Artur pensava que deveria ser angustiante esperar a morte. Embora ele e o avô nunca tivessem conversado sobre isso, o biólogo por vezes percebia quando o avô estava pensando nisso. Nessas ocasiões, o idoso ficava sentado na sala, com a televisão desligada, com o cenho carregado.
   Ele navegou um pouco pelo facebook, onde depois de algum tempo, foi deitar-se na cama novamente. A questão da vida eterna então assomou-lhe-se à mente. Porque morremos? – perguntou-se interiormente o jovem.
  “Mas essa é uma discussão científica?” – questionou-se a si mesmo – “Mas será que só a ciência tem explicação para as coisas?” Naquele momento ele dizia a si mesmo que durante toda a história da humanidade, muitos homens lamentaram ter de morrer. Daí a resposta das religiões – principalmente a cristã – de que existia uma vida após a morte. Primeiramente, pensava o biólogo, para se acreditar em eternidade, tinha-se que acreditar em Deus. Imagens do conflito em Gaza fizeram-lhe recordar das crianças que foram assassinadas. Se não existisse outra vida, aqueles seres humanos foram desprestigiados por Deus? Porque eles não tiveram a oportunidade de crescer, desfrutar a juventude, fazer planos, casar, ter filhos? Então Artur pensava que se não existisse outra vida, Deus estaria sendo injusto com alguns, e isso não condizia com a ideia de um Deus supremo e benevolente. Então, para se acreditar em Deus, tinha-se automaticamente que se acreditar em vida eterna.
    “Mas o que significa a eternidade?” – pensava interiormente – “será viver eternamente depois da morte?” Naquele momento ele pensava na questão do tempo. Se viver 70, 80 anos, já lhe parecia muito tempo, ele imaginava como seria viver por mil, 10 mil, 100 mil anos. Como seria nunca morrer, viver eternamente?
    O jovem refletia que a morte era uma coisa horrorosa para a maioria das pessoas, principalmente as que eram felizes e bem-sucedidas. Já para os infelizes, os fracassados, a morte como fim da existência – pensava ele – talvez não fosse uma coisa tão ruim, já que significaria o fim dos sofrimentos. Mas será que se a morte fosse o fim, isso não seria um estímulo para os maus, os desonestos, os malfeitores? Além disso, que significado teria o sofrimento? Se o destino de todos os indivíduos era o nada, porque nos importávamos tanto com as situações ruins da vida? Novamente ocorreu-lhe a ideia de Deus e o mesmo pensou que então Deus não seria um ser onipotente e justo.
    As religiões monoteístas – o cristianismo, o islamismo e o judaísmo – prometiam uma vida eterna, e as religiões reencarnacionistas diziam que não só o homem era imortal, mas que ele também reencarnava, ou seja, de tempos em tempos os homens voltavam à Terra para viver intervalos de tempo imersos na carne. Segundo esta ideia, uma vez no plano espiritual, a alma se sentindo imperfeita, seria novamente recambiada ao corpo de carne para depurar suas imperfeições e poder retornar melhorada ao plano espiritual.
   Isso significava – pensava Arthur enquanto estava deitado na cama olhando para a parede – que a cada reencarnação você era “zerado”, isto é, que a cada ciclo reencarnativo você tinha sua memória apagada, para que pudesse recomeçar nas situações e relacionamentos em que se tinha falido. Isso parecia a Arthur algo extremamente aflitante. Pensava ele que recomeçar situações aonde ele havia fracassado, talvez nem por ele – e nesse momento ele se lembrava de algumas pessoas do passado – mas por culpa dos outros, era-lhe uma coisa que o fazia sentir pesar.
     Entediado de ficar deitado, Arthur resolveu sair para passear por um parque que havia perto da sua casa. Vestiu a camisa, calçou o tênis e se dirigiu até a porta. Quando passou pela sala, seu avô dormia com a televisão ligada. Ele contemplou o ancião por alguns momentos, onde desligou a televisão. Girou a chave na fechadura, passou pelo portão e ganhou a via pública.
   Andou por algumas ruas, até que avistou o parque. Nesse ínterim, deparou-se com uma amiga de faculdade que fazia seu cooper matinal.
    - Oi Clara! – exclamou o rapaz.
   - Oi Arthur – respondeu a moça radiante – veio correr também?
   - Que nada – objetou Arthur alegre – vim pensar um pouco na vida.
    - E o que você está pensando tanto nesta manhã de sol? – perguntou a moça curiosa.
     - Você vai rir de mim – disse Arthur sem graça.
   - Prometo que não vou – protestou a moça risonha.
    - Hoje eu não estava a fim de correr não – dizia-lhe Arthur – o que você acha da gente ir andando e conversando?
   - Combinado! – concordou a moça. Então os dois começaram a andar.
   - Sabe Clara – principiou Arthur – hoje de manhã eu estava observando meu avô, ele já tem 80 anos - elucidava-lhe o jovem – e comecei a pensar na questão da morte e se existe vida eterna. O que você pensa sobre o assunto?
   - Como bióloga Arthur – dizia ela – eu já percebi que a vida é um ciclo de nascimento, envelhecimento e morte. Porque as pessoas acham a morte uma coisa tão terrível, se ela é uma coisa natural em todos os seres vivos?
  - É que por mais que a vida seja dura – observava-lhe o rapaz – viver é uma coisa prazerosa; poder fazer planos, lutar pelos seus sonhos, satisfazer-se numa relação afetiva, ou seja, existir é bom.
   - Eu concordo com você – objetava-lhe a bióloga – mas se até as estrelas morrem...
    - Veja bem Clara – procurava Arthur concatenar as ideias – se não existe vida eterna, Deus também não existe.
  - E quem te garante que Deus existe? – perguntava-lhe a jovem com estranheza no semblante.
     - Mas Clara – prosseguia Arthur – nós biólogos estudamos a vida; como explicar que na natureza existam tantos processos biológicos; como explicar organismos tão complexos quanto os nossos?
    - Já ouviu falar de acaso? – disse ela dando uma risada.
   - Mas então o acaso é inteligente? – perguntou-lhe o jovem.
   - É nisto você tem razão – concordou Clara – mas isto por si só não prova a existência de Deus, nem de vida eterna.
   - Clara – disse Arthur mudando de assunto – você tem planos que não conseguiu realizar?
  - Claro – respondeu ela – todos nós temos projetos fracassados.
  - E Deus seria justo se não permitisse a você realizar todos os seus sonhos?
   - Ora Arthur – dizia a moça distraída – todos nós temos vontades, planos, projetos, que não conseguimos realizar, eu não sei o que Deus tem a ver com isso.
    - E seus parentes e amigos que faleceram, você não tem vontade de reencontrá-los?
    - Claro que tenho essa vontade – elucidava-lhe a jovem – mas uma coisa é você passar um mês com uma pessoa; outra é você ter que viver com ela por toda a eternidade, já que para sentir saudade de uma pessoa, você precisa estar privado da companhia dela.
  “Agora eu quero te perguntar uma coisa: as religiões dizem que existe céu e inferno, mas como eu poderia ser feliz eternamente, sabendo que algum dos meus entes queridos, ou amigos, estariam no inferno por toda a eternidade?”
   - Mas quem te disse que inferno existe? E mesmo que exista, quem te garante que ele é eterno? Deus em sua infinita bondade e misericórdia não quereria que um dos seus filhos passasse o resto da eternidade sofrendo; se essa ideia já assusta à nós pobres mortais, quem dirá à Deus? 
    - As religiões dizem isto – argumentava a jovem parando para amarrar o cadarço.
    - Tá, mas quem disse que isso não pode ser uma coisa alegórica, uma figura de linguagem?
   - Tá bom, concordo com você, a ideia de inferno não condiria com a idéia de um Deus onipotente e misericordioso.
  “Mas já pensou viver eternamente? Nunca morrer? O que nós teremos tanto para fazer pela eternidade afora?” – inquiriu-lhe a jovem.
  - Você já deve ter ouvido falar nas religiões reencarnacionistas? A eternidade seria interrompida pelas reencarnações.
    - Isso me parece mais chato ainda – disse a jovem olhando dentro dos seus olhos – ter que recomeçar tudo de novo: aprender a falar, a andar, ir para a escola, casar, ter filhos...
     - Mas como aprender a não ser recomeçando? – Questionou-lhe Arthur.
    - Arthur – disse a moça olhando para o relógio – a conversa está boa, mas tenho que fazer o meu cooper, antes que o sol fique muito alto. Você vem comigo?
   - Não Clara – respondeu-lhe o biólogo – hoje não estou a fim de correr não. Arthur então lhe deu um beijo no rosto e se pôs de volta para casa.
    Pelo caminho ele ia pensando nas considerações de Clara. Porém, apesar dos argumentos da colega de faculdade, sentia em seu íntimo, na sua subjetividade, que existia vida eterna, que depois da morte sua individualidade continuaria a existir.
    Quando girou a maçaneta da porta, deparou-se com seu avô na sala. Quando o ancião lhe viu, rapidamente passou a mão por uma lágrima que lhe escorria pelo rosto. Arthur percebeu que ele pensava na morte. O neto então se sentou ao seu lado e resolveu conversar com ele sobre aquelas coisas que ele pensava que o atormentavam. Arthur usaria com ele todos aqueles argumentos que estava pensando desde que estava deitado na cama.



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